domingo, 29 de outubro de 2006

Paradise Now: o ativismo islâmico na lente cristã

Paradise Now é uma ressignificação cristã de uma questão islâmica. Acredita na solução de uma ação terrorista do Estado israelense pelo diálogo e vê os agentes dos movimentos de resistência palestina em uma humanidade ocidentalizada e cristianizada, quase complacente com a própria miséria.
O filme trata de trama de dois amigos palestinos incumbidos de realizar uma ação terrorista em Tel-Aviv. Os dois trabalham em uma oficina mecânica e são requisitados por uma organização palestina para a realização de um atentado em Tel-Aviv. A ação é frustrada por desencontros na ação tática, o que acaba por expor as incertezas, inseguranças e instabilidades dos dois jovens ativistas.
Gostei muito da humanidade dada aos ativistas no filme, seu grande mérito. Não só os jovens têm uma rotina comum a tantos outros jovens das perifierias das grandes cidades. Essa humanidade tem vida familiar, amigos, trabalho, relacionamentos, receios, confidências. Em nenhum momento aparentam ser fanáticos, algo comum a uma lógica que trata a ação ativista pejorativamente como terrorismo.
No entanto a opção pela não-exotização dos terroristas acaba por enfraquecê-los e estereotipá-los de outro modo. A ”normalidade” descrita é ocidentalizada, confundindo-se o respeito à diferença com seu esvaziamento. Demandas e questões de cunho puramente pessoal acabam por fazer da ação ativista algo tênue, quase orgânico. Não há intenção política consistente que possa ser notada.
Não por acaso, os jovens passem a quase totalidade do filme vestidos como ocidentais, colonos israelenses. Parece uma indicação intencional ou da ocidentalização do mundo islâmico, ou (minha aposta), da visão judaico-cristã empobrecida do mundo islâmico e especialmente da causa palestina.
As motivações dos dois jovens ativistas são interessantes. Assad tem como referência o pai e acredita na possibilidade de ter uma morte mais gloriosa e tática, uma vez que seu pai, executado, teve o papel de vítima.
Kahled tem opção diferente. Sua convicção é religiosa e, menos angustiado com sua decisão no início do filme, faz muito mais facilmente sua opção, especialmente a partir do momento em que lhe descreveram o pós-morte, com os anjos os carregando para os céus (o único deslize preconceituoso do filme) e, na Terra, a festa de mitificação de suas ações.
No entanto estes jovens mudam sua postura diante da ação ao longo do filme. Kahled, que no início era convicto, acaba abandonando a ação, enquanto que o Assad, vacilante no início acaba ganhando certeza.
É curioso que na trajetória dessas decisões existe a figura da jovem franco-argelina Suha, ativista dos direitos humanos e filha de um ex-líder ativista palestino. A presença dela, no caso dos dois, reduz a energia para o combate. Enquanto está ao lado dela, Assad vacila. Kahled passa a vacilar exatamente quando a conhece.
Difícil a humanidade se livrar do terrorismo de Estado desse jeito.

Ficha Técnica
Paradise Now
Dir: Haky Abu-Assad
Elenco: Kais Neshef, Ali Suliman, Lubna Azabal
Duração: 90 min

Um comentário:

Anônimo disse...

Cinéfilo-escritor-da-moóca: interessante também o fato de que a opção pela ação terrorista é do jovem motivado por questões familiares ou pessoais (Assad) e não do jovem com motivações religiosas. Desculpe, mas não resisto: o terrorismo do futuro será existencial????