segunda-feira, 29 de junho de 2009

Lendo o Carpinejar 2 - Canalha!

Se sair, não volte mais

(...) “Se sair não volte mais”, descobrir que o ódio seduz (...)
(...) “Se sair não volte mais”, descobrir a ofensa dentro da oferta (...)
Uma lealdade se rompe com essa frase. A alegria de ir e vir. A fidelidade se rompe com essa frase, entra outra coisa em seu lugar: submissão, desencanto, arrependimento.
O amor é quando faltam as palavras.
O desespero é quando sobram as palavras.
Quando sair me leve junto. Em silêncio.



Esse é o primeiro conto de Canalha! que mexeu comigo.
Não pela frase “Se sair não volte mais”. Eu raramente saio ou permito sair sem a possibilidade da volta; minhas raras saídas em definitivo são definitivas mesmo.
Gosto da ideia (perversa) do ódio como sedução, da ofensa da oferta. Acredito que o ódio seja o amor que extrapolou, se perdeu em si mesmo, virou o outro e não se encontrou nele...o ódio é essa promessa falsa de um espelho que não reflete, nem invertido.
O ódio é um amor não correspondido por si mesmo.
A parte final, porém, é a que mais gosto. A ideia de que o amor é silencioso de palavras. Está fora da formulação.Quando acontece é como música. No máximo emite sons. É sagrado....e o sagrado não se submete ao sentido das palavras e sim apenas utiliza seus sons de forma mágica. Não é capturado pela linguagem...a profana.
O sagrado (e o amor) aprofundam-se quando abandonam as linguagens para serem apenas verbos.

domingo, 28 de junho de 2009

Lendo o Carpinejar – Canalha!

Acabei de ler o livro Canalha! (Bertrand Brasil, 2007), de Fabrício Carpinejar.
Gostei.....mas tem horas que cansa.
Não tem sido nada fácil reinventar uma identidade masculina.
Isso é possível?
O macho ancestral está morto, o bom moço está morto, o bonitinho está morto, o cafajeste está morto. Ser homem realmente não tem sido lá muito fácil. Como ser Candinho e Teodoro ao mesmo tempo (brincando com Jorge Amado)?
Li o livro como um, digamos, aquecimento diário. Aliás, é uma boa lê-lo assim. São dezenas de contos onde são apresentadas questões cotidianas de um determinado tipo de homem contemporâneo e ler contos (sempre curtos) em sequência não funciona muito para mim. Gostava de ler tomando meu café. E pulando os contos muito politicamente corretos, onde Romeu prefere um chicotinho e não o veneno.
Existem boas sacadas(Você confunde sacrifício com covardia. Eu confundo amor com loucura), outras que deixam a desejar (É tarde para pedir um tempo. Lamenta que o namoro não seja uma partida de basquete, para suspender a derrota e reverter o resultado com a ajuda do técnico).
No geral, a impressão que dá é de um homem que procura uma reinvenção de sua subjetividade para poder dialogar com a ditadura da sensibilidade feminina. Digamos que uma rendição misturada com pedido de desculpas da tradição.
Uma bela isca. Precisamos descobrir para quem. É como se um alemão de treze anos pedisse desculpas pelo III Reich ouvindo Piaf para reparar a tomada de Paris no século passado. Eu, hein...
Tudo isso é olhar para trás. Sei não...
Essa rendição parece puro xaveco....
Para virar um jogo que está difícil para os homens jogarem. O jogo de descobrir quem são.
A figura da cara-metade continua presente; a única diferença é que Édipo deu lugar a Electra...só isso.
Coisa de canalha.

Ahh...o blog do Carpinejar é http://www.carpinejar.com.br/

domingo, 21 de junho de 2009

Fragmentos de um Evangelho Apócrifo

Gentes,

Fragmentos de um Evangelho Apócrifo, de Jorge Luís BORGES.


3. Desventurado o pobre de espírito, porque debaixo da terra será o que agora é na terra.
4. Desventurado o que chora, porque já tem o hábito miserável do pranto.
5. Ditosos os que sabem que o sofrimento não é uma coroa de glória.
6. Não basta ser o último para ser alguma vez o primeiro.
7. Feliz o que não insiste em ter razão, porque ninguém a tem ou todos a têm.
8. Feliz o que perdoa aos outros e o que se perdoa a si mesmo.
9. Bem-aventurados os mansos, porque não condescendem com a discórdia.
10.Bem-aventurados os que não têm fome de justiça, porque sabem que nossa sorte, adversa ou piedosa, é obra do acaso, que é inescrutável.
11. Bem aventurados os misericordiosos, porque sua felicidade está no exercício da misericórdia e não na esperança de um prêmio.
12. Bem-aventurados os de limpo coração, porque vêm a Deus.
13. Bem-aventurados os que padecem perseguição por causa da justiça, porque lhes importa mais a justiça que seu destino humano.
14. Ninguém é o sal da terra; ninguém, em algum momento de sua vida, não o é.
15. Que a luz de uma lâmpada se acenda, embora nenhum homem a veja, Deus a verá.
16. Não há mandamento que não possa ser infringido, e também os que digo e os que os profetas disseram.
17. O que matar pela causa da justiça, ou pela causa que ele crê justiça, não tem culpa.
18. Os atos dos homens não merecem nem o fogo nem os céus.
19. Não odeies a teu inimigo, porque se o fazes, és de algum modo seu escravo. Teu ódio nunca será melhor que tua paz.
20. Se te ofender tua mão direita, perdoa-a; és teu corpo e és tua alma e é árduo, ou impossível, fixar a fronteira que os divide...
24. Não exageres o culto da verdade; não há homem que ao fim de um dia não tenha mentido com razão muitas vezes.
25. Não jures, porque todo juramento é uma ênfase.
26. Resiste ao mal, mas sem espanto e sem ira. A quem te ferir na face direita, podes oferecer-lhe a outra, sempre que não te mova o temor.
27. Eu não falo de vinganças nem de perdões; o esquecimento é a única vingança e o único perdão.
28. Fazer o bem a teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.
29. Fazer o bem a teu inimigo é o melhor modo de comprazer tua vaidade.
30. Não acumules ouro na terra, porque o ouro é pai do ócio, e este, da tristeza e do tédio.
31. Pensa que os outros são justos ou o serão, e se não é assim, não é teu erro.
32. Deus é mais generoso que os homens e os medirá com outra medida.
33. Dá o santo aos cães, deita tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar.
34. Busca pelo agrado de buscar, não pelo de encontrar...
39. A porta é a que escolhe, não o homem.
40. Não julgues a árvore por seus frutos nem ao homem por suas obras; podem ser piores ou melhores.
41. Nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a areia, mas nosso dever é edificar como se fora pedra a areia...
47. Feliz o pobre sem amargura ou o rico sem soberba.
48. Felizes os valentes, os que aceitam com ânimo semelhante a derrota ou as palmas.
49. Felizes os que guardam na memória palavras de Virgílio ou de Cristo, porque estas darão luz a seus dias.
50. Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor.
51. Felizes os felizes.